O Cristão e as manifestações

O Cristão e as manifestações

Blog By ago 27, 2015

O Cristão e as manifestações

Em um momento de uma séria tensão política no país, nós, Cristãos, somos obrigados a tomar uma posição diante da situação. Essa obrigatoriedade muitas vezes é devida ao nosso envolvimento social, onde as pessoas nos cobram: “e aí, qual sua posição?”. Outras vezes, é uma posição pessoal. Em último caso, geralmente, deve-se a um movimento político-social no qual estamos insertos – pode ser um partido político, movimento estudantil, grupo de amigos etc. São inúmeras as razões que nos levam à pergunta-chave: o Cristão pode participar das manifestações?

Após uma rápida busca na Internet, pude ver que há uma carência de informação estritamente bíblica a respeito do assunto. Grande parte dos vídeos e textos que eu li carregam uma bagagem de opinião pessoal muito grande. Poucos textos bíblicos foram usados para embasar tais opiniões e, nos casos que foram, considerei como má interpretação de tais passagens. Mas isso também é só minha opinião, é claro.

Responder à pergunta-chave não é simples, admito. Embora eu não tenha a resposta definitiva, proponho uma investigação. Costumo pensar da seguinte forma. Se há o benefício da dúvida, então há grandes razões para estudá-la. É pouco provável alguém questionar se é permitido que o Cristão cometa homicídio. De igual forma, nunca vi alguém questionar se é pecado escovar os dentes, por exemplo. São dois extremos opostos, mas cujas respostas são óbvias. Quando uma dúvida paira no ar por muito tempo, é possível que apenas estejamos tentando achar justificativas para fazer o que é errado sem nos sentirmos culpados.

O primeiro ponto que quero abordar é a relação entre o Cristão e a autoridade política. O Novo Testamento nos traz alguns exemplos ricos a esse respeito. Certa vez, por exemplo, Jesus foi questionado pelos herodianos se era certo pagar o imposto a César (imperador de Roma) ou não. Jesus, em Sua infinita sabedoria, disse-lhes:

“[…] dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” – Mateus 22.21 (NVI)

Embora haja uma série de interpretações, acredito que Jesus realmente quis dizer que a moeda, o dinheiro vivo, devia ser dado a César, a fim de cumprir com sua cidadania. Não se pode concluir, porém, que Cristo estava a favor do reinado de César ou do domínio de Roma sobre Jerusalém. No entanto, em momento algum Jesus expressou sua ira e revolta com relação ao império romano. Em outra ocasião, semelhante a esta, Jesus pagou o imposto devido do templo (Mt 17.24), novamente sendo um exemplo para nós.

Embora esses sejam bons textos, eles não são os únicos e nem suficientes para discutirmos nossa questão. Outra famosa passagem – que gera certa divergência de opiniões, inclusive – está na carta de Paulo aos Romanos. Vou citar o texto todo, com certos grifos, para analisarmos:

“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência. É por isso também que vocês pagam imposto, pois as autoridades estão a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho. Dêem a cada um o que lhe é devido: Se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra.” – Romanos 13:1-7 (NVI grifo meu)

Podemos extrair alguns princípios básicos desse texto: 1) Não há autoridade governamental que não venha de Deus; 2) Quem se rebela contra a autoridade governamental, rebela-se contra o próprio Deus; 3) Devemos praticar o bem, obedecendo à lei civil; 4) Há duas razões para que obedeçamos às autoridades: pelo medo da punição e pela consciência; 4) Devemos pagar nossos impostos e honrar nossos deveres. Antes de argumentarmos a respeito, vamos analisar outros textos.

“Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema,
seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem.
Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos.
Vivam como pessoas livres, mas não usem a liberdade como desculpa para fazer o mal; vivam como servos de Deus.
Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos, temam a Deus e honrem o rei.
Escravos, sujeitem-se a seus senhores com todo o respeito, não apenas aos bons e amáveis, mas também aos maus.
Porque é louvável que, por motivo de sua consciência para com Deus, alguém suporte aflições sofrendo injustamente.
Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por terem cometido o mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito o bem, isso é louvável diante de Deus. Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos.” – 1 Pedro 2:13-21 (NVI)

Neste texto, por exemplo, Pedro deixa muito clara a necessidade da sujeição à autoridade constituída por Deus, assim como Paulo o fizera no texto anterior. O texto é praticamente auto-explicativo, de modo que não vou me ater aos detalhes, mas na conclusão em si: Deus deseja que sejamos fiéis às autoridades. Não bastasse a forma irredutível que os apóstolos se posicionam sobre o assunto, ao analisarmos o contexto histórico, a história fica ainda mais interessante. Pedro e Paulo viviam em um local e época onde os Cristãos eram fortemente perseguidos. Eles estavam sob o domínio de Roma, na figura do imperador Nero, que perseguia e dizimava o povo de Deus. Ao lermos as cartas dos apóstolos, constatamos as constantes perseguições – muitas vezes na forma de açoites e noites na prisão – que eles sofriam. Veja bem: em meio às perseguições, onde provavelmente ficaríamos indignados e revoltados com o governante, Pedro e Paulo ensinavam os Cristãos a serem submissos e obedientes às autoridades! Parece-nos contraditório.

Acontece que esse princípio bíblico já havia sido ensinado por Cristo há muito tempo. Jesus disse que se nos batessem na face, deveríamos dar a outra; se roubassem nossa túnica, deveríamos dar até a capa, pois “que mérito vocês terão, se amarem aos que os amam? Até os ‘pecadores’ amam aos que os amam” (Lucas 6:32 NVI). Cristo foi muito duro ao afirmar que devemos amar aqueles que são difíceis de amar, que devemos ser diferentes, mostrar um outro lado, dar a outra face. Por essa e outras ordens, o evangelho ainda é um caminho estreito.

Uma vez que analisamos os princípios bíblicos, podemos discutir a respeito. Há aqueles que não enxergam essas passagens de uma forma tão literal a ponto de coibir que o Cristão participe de manifestações políticas. Argumentam que as manifestações são legítimas da democracia e que é um direito do cidadão. Outros são conservadores e irredutíveis, argumentando que não cabe ao Cristão genuíno participar de manifestações, pois estaria se rebelando contra o próprio Deus. Eu vejo da seguinte forma.

Se a Palavra diz que Deus instituiu o poder, então foi Ele, sem erro. Se Deus colocou a Dilma no poder, Ele tem suas razões e eu não tenho que me meter. Meu direito terminou quando dei o meu voto. Depois disso, aguardei o resultado e hoje sofro as consequências desse voto. Eu sempre fui a favor de manifestar, protestar, até de quebrar tudo se fosse necessário. Mas, graças a Deus, não sou o Criador e regente desse Universo. Devo me submeter à vontade dEle e ficar calado. Minha função é de orar pelo país, pedindo que Sua vontade se manifeste. Hoje eu penso que Deus deve cuidar e ponto final. Não apenas por esse motivo, mas também por entender que as manifestações contra a Dilma são de certo modo infundadas e anárquicas – e isso fica para um outro texto -, você não me verá em meio ao povo, erguendo bandeira. Vou orar pelo país e crer que, mesmo num governo injusto e corrupto, Deus tem o controle de tudo. E isso me dá esperanças.